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"Todas as Garotas em Mim" agrava crise da dramaturgia bíblica da Record

Mirela (Mharessa), de Todas as Garotas em Mim
Mirela (Mharessa), de Todas as Garotas em Mim (divulgação/Record)

A dramaturgia da Record está em crise. O projeto de novelas bíblicas da emissora foi colocado em xeque com a estreia de Todas as Garotas em Mim. A trama de Stephanie Ribeiro é uma válida tentativa de mudar a linguagem das tramas bíblicas tradicionais, mas sua execução amadora coloca a emissora da Barra Funda numa encruzilhada. 

Com Os Dez Mandamentos, a Record encontrou seu nicho e tirou sua dramaturgia do buraco, após seguidos fracassos de tramas contemporâneas tradicionais. No entanto, a queda de audiência a cada nova estreia - A Terra Prometida e O Rico e Lázaro - mostrava que o formato era limitado. Afinal, as tramas seguiam o mesmo formato, tinham a mesma cara, ficaram muito parecidas umas com as outras. O desgaste, então, se impunha.

Aí veio Apocalipse, a primeira aposta no sentido de propor num novo formato, mas ainda dentro da inspiração bíblica. Não deu certo. Depois disso, vieram outras tramas pouco expressivas. Somente com Gênesis, no ano passado, a dramaturgia bíblica da Record voltou a mostrar algum potencial.

Entretanto, ao mesmo tempo em que todas estas experiências na dramaturgia aconteciam, muita movimentação rolava nos bastidores da emissora. Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo, passou a influir na dramaturgia do canal. Primeiro, como consultora. Depois, como supervisora de texto. Por fim, como diretora de dramaturgia. Com isso, a dramaturgia bíblica da Record foi ficando cada vez mais amadora.

E é assim que chegamos a Todas as Garotas em Mim, novela que a Record prefere chamar de série. A trama é uma experiência interessante, já que é contemporânea e voltada ao público jovem. TAGEM conta a história de Mirela (Mharessa), uma influenciadora digital que vive problemas típicos da adolescência. Para lidar com suas próprias questões, ela começa a se inspirar em mulheres bíblicas, apresentadas a ela por sua avó, Isis (Adriana Garambone).

TAGEM já seria uma experiência ousada mesmo se tivesse toda uma estrutura profissional por trás. Afinal, trata-se de uma proposta ainda mais nichada que as novelas anteriores, já que é voltada para o público jovem e evangélico. Sim, é preciso ser iniciado na religião para se interessar na trama. TAGEM não fala ao jovem que não frequenta a igreja e não desperta o interesse nele. Isso não é um demérito, apenas uma constatação.

No entanto, toda a execução da trama é sofrível, resultando numa produção constrangedora. Todas as Garotas em Mim não soa genuíno como linguagem juvenil, pelo contrário. Os personagens adolescentes não parecem adolescentes reais. É uma mistura de clichês de cinema estadunidense com uma ideia conservadora e pouco atual de como é a juventude. Com isso, as situações são forçadas e os diálogos risíveis.

Esta execução sofrível tem a ver com o que foi dito acima: a ascensão de Cristiane Cardoso como diretora de dramaturgia da Record representa a ascensão do amadorismo do setor. Cardoso pode entender de estudos bíblicos e ter uma ideia clara da mensagem evangelizadora que quer passar, mas nem ela e nem os roteiristas de sua gestão parecem ter conhecimento de estrutura de roteiro. Com isso, TAGEM passa um ar amador que incomoda. Nem o elenco recheado de atores experientes consegue dar dignidade àquilo.

Sim, a Record é uma emissora ligada a uma igreja e, agora, deixa mais claro que está colocando sua dramaturgia à evangelização. Tudo bem, é um caminho. Mas esta escolha tem um preço. Abraçando este projeto, a emissora abre mão da profissionalização do setor, do grande público e até mesmo do potencial financeiro destas produções (afinal, novela bíblica, tradicionalmente, vende menos). 

É triste, se considerarmos que a emissora, mesmo dentro da dramaturgia bíblica, já havia alcançado um público maior. Os Dez Mandamentos é um exemplo: era baseada na Bíblia, mas tinha estrutura de novela, com uma narrativa atrativa até para quem frequenta outra igreja, ou até mesmo quem não tem religião. Isso porque havia mais profissionalismo na sua execução: o diretor era o experiente Alexandre Avancini, a autora era Vivian de Oliveira (que sempre foi boa em transformar passagens bíblicas em histórias interessantes) e o diretor de dramaturgia da Record era Anderson Souza, também mais experiente.

Ou seja, o problema não é fazer novelas bíblicas. O problema é fazer novela bíblica mal feita. A dramaturgia da Record parece estar voltando, a passos largos, aos tempos das minisséries de gosto duvidoso, como A Filha do Demônio ou Olho da Terra. Um triste retrocesso.

André Santana

11/06/2022

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1 Comentários

  1. Olá, tudo bem? A Filha do Demônio agora é cult. Rs... Já comentei sobre TAGEM. Esperava mais. O problema começou com a terceirização do departamento de teledramaturgia. As raízes são mais profundas... Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br

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