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| Joélly (Alana Cabral), Gerluce (Sophie Charlotte) e Lígia (Dira Paes) em Três Graças (Estevam Avellar/Globo) |
Vale Tudo, último cartaz do horário nobre da Globo, pode ser considerada uma novela à moda antiga, já que se tratou de uma nova versão de um clássico de 1988. Entretanto, a trama escrita por Manuela Dias não conseguiu repetir com ênfase o duelo entre uma mocinha incorruptível e uma vilã politicamente incorreta. Raquel (Taís Araújo) perdeu espaço na obra, enquanto Odete Roitman (Debora Bloch) causou, mas ficou devendo em termos de acidez - afinal, ela tratava Heleninha (Paolla Oliveira) como “alcoolista”, e não como “bêbada”, como sua versão original.
Já Três Graças, nova aposta do canal na faixa das 21 horas, parece se esforçar para dizer ao público que ali sim existem vilã e mocinha muito bem marcadas. Gerluce (Sophie Charlotte) é a mocinha esforçada, às voltas com os dramas cotidianos, mas, ao mesmo tempo, traz algumas cores que lhe dão alguma profundidade: é otimista, tem boa autoestima e, de quebra, deve arquitetar um roubo nos próximos capítulos - por uma boa causa, mas um roubo.
Enquanto isso, Arminda (Grazi Massafera) trouxe a tal língua de chicote que tanto faz sucesso junto ao público. Com tiradas espirituosas, Arminda é a típica vilã de Aguinaldo Silva: ácida, debochada, cruel, preconceituosa e sem qualquer escrúpulo. Em tempos de redes sociais, Arminda bebe da fonte de Nazaré (Renata Sorrah), de Senhora do Destino (2004), e parece criada para virar meme.
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Duelo de mulheres
Os grandes clássicos da teledramaturgia nacional, quase sempre, narram o duelo entre duas mulheres potentes. Além da já citada Senhora do Destino, também é fácil lembrar de Celebridade (2003), A Favorita (2008), Avenida Brasil (2012) e até Rainha da Sucata (1990), clássico que volta em breve no Vale a Pena Ver de Novo.
Três Graças, portanto, chega com a intenção de integrar essa galeria. E com boas chances de alcançar tal objetivo, diga-se. Ao menos considerando os primeiros capítulos, Gerluce e Arminda entregaram muito ao público e não é difícil se envolver pela história da batalhadora cuidadora de idosos e da maléfica vilã que falsifica remédios para desviar dinheiro.
Além da mocinha e da vilã, Três Graças ainda é protagonizada por Lígia (Dira Paes) e Joélly (Alana Cabral), mulheres com os pés bem fincados na realidade e que representam tantas famílias sem a figura paterna. Há um tom de crítica social na novela que lhe dá substância, mas sem perder de vista o bom e velho folhetim.
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Influência do streaming?
Curiosamente, em 2025, o espectador noveleiro já viu uma novela bem servida de vilã e mocinha. Beleza Fatal, da HBO Max, mexeu com o público na web justamente por conta destas características. A história de Raphael Montes contava a história da mocinha Sofia (Camila Queiroz), uma heroína que se corrompe em nome de uma vingança, e de sua inimiga Lola (Camila Pitanga), uma megera cruel, debochada e divertida - tal qual Arminda, diga-se.
Mesmo sendo feita para o streaming, com apenas 40 capítulos, Beleza Fatal teve o mérito de revitalizar o folhetim, sem vergonha nenhuma do exagero e até de certa cafonice. Deu certo. A trama angariou fãs e até deve ganhar uma segunda temporada - o que eu acho um erro, diga-se.
Diante disso, comparar Beleza Fatal com Três Graças não é nenhum exagero. Embora as novelas contem tramas distintas, as duas possuem vários pontos de contato. No fundo, são dois “novelões”, com todas as qualidades e defeitos vinculados ao formato.
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Vitória da experiência
Além das qualidades já citadas, Três Graças ainda tem o mérito de resgatar Aguinaldo Silva, medalhão do horário nobre da Globo que deixou a emissora ao final de seu contrato, em 2020. Infelizmente, se despediu da pior maneira possível, já que sua última novela foi a esquecível e equivocada O Sétimo Guardião (2018).
Autor que se formou na faixa das oito/nove da Globo, Aguinaldo Silva assinou alguns dos principais sucessos do horário, como Roque Santeiro (1985), Tieta (1989), Pedra Sobre Pedra (1992), A Indomada (1997) e Fina Estampa (2011), entre tantas outras - como a já citada Senhora do Destino. Ou seja, trata-se de um autor popular, que entende bem o público para o qual escreve.
Num tempo em que os medalhões se foram ou se aposentaram, a Globo errou feio ao abrir mão de um profissional do quilate de Aguinaldo Silva. Trazê-lo de volta, portanto, corrige tal deslize. O início de Três Graças mostra que o veterano ainda tem muito a oferecer. Agora é acompanhar os próximos capítulos.
André Santana
28/10/2025

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