Adaptação de Vale Tudo tem derrapadas, mas também acertos

Odete (Debora Bloch) e Raquel (Taís Araújo) em Vale Tudo (reprodução)

Autora da nova versão de Vale Tudo, Manuela Dias sabia que estaria mexendo num vespeiro ao topar assinar o remake do clássico escrito por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Afinal, a Vale Tudo de 1988 é considerada uma das melhores novelas de todos os tempos, e, por isso mesmo, conta com fãs ardorosos - e, diga-se, barulhentos.

Ao mover a história para 2025, a autora precisou mexer em alguns pontos e modificar algumas tramas. Com isso, claro, desagradou os fãs mais fanáticos e passou a sofrer severas críticas na web. Porém, fora da “bolha noveleira”, Manuela Dias parece ter agradado, afinal, Vale Tudo vem crescendo a cada semana e deve entregar o horário em alta para Três Graças, próxima novela das nove da Globo.

A verdade é que a nova versão de Vale Tudo não repete o brilho da história original, porém está longe de ser o monstro que se pinta por aí. Como qualquer novela, a trama tem seus erros e acertos. Algumas modificações propostas por Manuela Dias deram um molho especial ao enredo. Já outras se revelaram bolas foras. A ver.

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Reviravolta desnecessária

Há alguns dias, Taís Araújo revelou numa entrevista sua insatisfação quanto à derrocada de Raquel, que se tornou uma empresária bem-sucedida, mas perdeu tudo nos mais recentes capítulos. Para a atriz, seria revolucionário que uma heroína negra tivesse uma curva ascendente numa trama do horário nobre da Globo.

De fato, a mudança foi uma grande bola fora da nova versão de Vale Tudo. Até porque ela pouco acrescenta ao enredo e durou cerca de dois capítulos na história, já que Raquel conseguiu recuperar a casa onde funcionava sua empresa, a Paladar, e voltará a tocá-la com sucesso. Se a derrocada durou tão pouco, por que apostar nela?

Na verdade, Manuela Dias caiu numa armadilha criada por ela mesma. Isso porque, em 1988, o principal ponto de embate entre Raquel (Regina Duarte) e Odete (Beatriz Segall) nesta altura da trama era o fato de heroína ter se tornado amante de Ivan (Antonio Fagundes). Isso não aconteceu na versão atual, pois Raquel e Ivan (Renato Góes) só retomaram o relacionamento depois que o mocinho colocou um ponto final em seu casamento com Heleninha (Paolla Oliveira).

Assim, a autora precisou criar um novo conflito e optou por fazer Celina (Malu Galli) vender sua parte da Paladar para Odete (Debora Bloch). Mas a “novidade” se revelou muito ruim, já que não somente destruiu a evolução de Raquel, como também mostrou uma faceta um tanto controversa de Celina, personagem que tinha um senso de justiça bem mais apurado em 1988.

O fato de Raquel ter ficado pobre de novo também impactou negativamente sua relação com Maria de Fátima (Bella Campos). Na versão original, a vilã (vivida por Gloria Pires) perde tudo ao ser desmascarada por Afonso (Cassio Gabus Mendes) e bate na porta da mãe, que está rica. O momento deixa claro que a ascensão de Raquel por meio de seu trabalho era sólida, enquanto a de Maria de Fátima, baseada em golpes, era frágil. Isso se perdeu, já que Maria de Fátima encontrou Raquel tão na pior quanto ela.

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Acerto

Por outro lado, Manuela Dias merece crédito por ter criado uma nova trama que trouxe um gás diferente para Vale Tudo. O fato de, desta vez, Leonardo (Guilherme Magon) estar vivo e mantido escondido por Odete foi uma novidade que, de fato, mexe com as estruturas da novela e traz novos e interessantes entrechos.

Odete manter escondido o filho que sofre com as sequelas de um acidente de carro mostra o quanto a vilã é, sim, uma pessoal cruel, algo que ficou em dúvida durante boa parte da novela. Além disso, o fato de Leonardo estar vivo impacta a trajetória de Afonso (Humberto Carrão), que acaba de descobrir uma leucemia.

A doença de Afonso surgiu de forma apressada, é verdade. Entretanto, a nova trama traz um impasse interessante, já que Odete descobrirá que apenas Leonardo poderá doar a medula que salvará a vida do filho. E agora, ela revelará que manteve escondido seu outro filho todo esse tempo? Ou sacrificará mais um filho para salvar seu segredo? É uma história muito boa.

Porém, nem tudo são flores nesta história. Isso porque Ana Clara (Samantha Jones), jovem que cuida de Leonardo, se casou com ele em recente capítulo para se tornar herdeira de Odete. A trama não faz sentido, já que Leonardo está oficialmente morto, o que torna o casamento inválido.

No capítulo desta sexta, 29, Odete afirmou que Ana Clara se casou utilizando os documentos falsos de Leonardo. Sendo assim, o casamento é facilmente anulável. Seria menos pior se a certidão de óbito de Leonardo fosse falsa. Assim, oficialmente, o rapaz ainda “existiria”, o que tornaria seu casamento válido. Derrapada feia.

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Sem comparações

Vale Tudo está longe de ser uma novela ruim. Embora esteja aquém da trama original, no geral o remake é uma novela eficente, que entrete e diverte. Há bons personagens e uma boa história sendo contada, apesar das derrapadas.

O que “pega” é a comparação com a original, de fato bastante superior. Mas, se o espectador deixar de lado as comparações e embarcar na atual versão, provavelmente vai se divertir, tanto acompanhando as reviravoltas quanto apontando os furos. Novela é assim mesmo.

André Santana

30/08/2025