João Emanuel Carneiro de "Avenida Brasil" ressurge em "Todas as Flores"

Maíra, Judite, Zoé e Vanessa, protagonistas de Todas as Flores
(Estevam Avellar/Globo)

Avenida Brasil foi um dos últimos grandes fenômenos do horário nobre da Globo. Até hoje, a emissora busca uma trama como a de João Emanuel Carneiro, que foi capaz de aliar alta audiência à boa receptividade da crítica, além de se tornar uma campeã de repercussão. A história de Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves) alcançou uma unanimidade difícil de se repetir.

O sucesso deste clássico é curioso, já que Avenida Brasil é uma novela de conteúdo um tanto prosaico. A trama é toda calcada no manjado recurso da vingança. Os personagens, embora complexos, não eram complicados. Avenida Brasil era uma trama de fácil compreensão, embora tenha mostrado uma estrutura engenhosa. Em suma, um novelão, mas muito bem construído. O carisma dos personagens, o drama central e os desdobramentos inusitados, somados aos ganchos infalíveis, garantiram a diversão do público.

Por isso, Avenida Brasil se tornou uma “sombra” para os autores do horário nobre da Globo. Outros novelistas tentaram fazer de suas novelas a “nova” Avenida Brasil. Até mesmo João Emanuel Carneiro buscou se superar, mas sem sucesso. A Regra do Jogo e Segundo Sol ficaram longe de repetir o magnetismo da saga de Carminha. A primeira errou ao “inovar” demais e se perder em sua própria proposta; e a segunda tinha um fio condutor frágil, que não se sustentou.

Pois Todas as Flores, novidade do Globoplay, parece querer resgatar este João Emanuel Carneiro de Avenida Brasil. A proposta é bem parecida. Trata-se de uma trama simples, bem novelão mesmo, mas liderada por personagens complexos e carismáticos. Basicamente, a novela conta a história da bandida Zoé (Regina Casé), que busca a filha cega que abandonou apenas para que ela salve a vida de sua outra filha, que sofre de leucemia.

Neste contexto, Maíra (Sophie Charlotte) e Vanessa (Letícia Colin) resgatam a rivalidade feminina que João Emanuel Carneiro explora tão bem. A mocinha é uma jovem adorável, mas que não chega a cair na sonsice irritante. E a vilã… Bom, Vanessa tem tudo para ser uma dessas vilãs que adoramos odiar. Tão bandida quanto a mãe, a jovem tem aquele humor corrosivo e a metralhadora verborrágica características das melhores megeras criadas pelo novelista. E as protagonistas ganham intérpretes à altura: Sophie Charlotte é uma heroína carismática e Letícia Colin é uma vilã poderosa.

Maíra chega a esta nova família para salvar a irmã, sem saber que mãe e filha são pessoas detestáveis e perigosas. Para “piorar”, ela se apaixona pelo noivo de Vanessa, criando um conflito folhetinesco básico, mas eficiente. No meio das duas está a mãe, Zoé, que é uma bandida, mas demonstra um traço de humanidade muito interessante. Traço este reforçado pela interpretação de Regina Casé, que surpreende neste papel tão diferente de sua trajetória. Está ótima!

Aliás, Zoé também está em meio a uma rivalidade que tem tudo para acontecer. Ela é a antagonista de Judite (Mariana Nunes), uma líder comunitária que tem um passado com a vilã e sabe que ela não é flor que se cheire. Madrinha de Maíra, ela tem uma relação mal resolvida com Humberto (Fábio Assunção), amante e cúmplice de Zoé. Eita!

Ou seja, Todas as Flores é uma novela com cara de novela, mas das boas novelas. É uma história simples, mas que ganha profundidade ao trazer perfis complexos no centro do enredo. A direção de Carlos Araújo também funciona, já que não cai na armadilha das pirotecnias desnecessárias, ao mesmo tempo em que imprime sofisticação. Tudo funcionou bem nestes cinco primeiros capítulos já disponíveis no Globoplay.

Pode ser impressão, mas Todas as Flores tem um poder de envolvimento que parece ser ideal para o horário nobre da Globo. Será que a Globo foi feliz ao desistir de produzi-la para seu horário nobre e encaixá-la no streaming? A exibição dos dois primeiros capítulos da trama nesta segunda, 24, na Tela Quente, pode responder esta questão.

Mas claro, sempre há o risco de a história se perder, como aconteceu com A Regra do Jogo ou Segundo Sol. Porém, Todas as Flores parece bastante promissora. Para quem não está empolgado com Travessia, pode assistir Todas as Flores no mesmo horário e fazer sua própria novela das nove!

André Santana

22/10/2022