Walcyr Carrasco deu truque e transformou Terra e Paixão em novela “dois em um”

Gloria Pires, Tony Ramos e Eliane Giardini em Terra e Paixão

A Globo esperava que Terra e Paixão fosse um estouro, dado o histórico do novelista Walcyr Carrasco. O autor não costuma fracassar, já que sabe como guiar qualquer história de forma a fazê-la cair no gosto do público, mesmo que isso custe a coerência do enredo. Morde & Assopra (2011) e O Outro Lado do Paraíso (2017) são exemplos de novelas que começaram mal, mas Carrasco, habilmente, soube consertar.

Terra e Paixão foi um destes casos. A novela começou mal, obrigando Carrasco a remexer na estrutura da trama. Ainda assim, a reação foi mais tímida do que se esperava. Até que, com o reforço de Thelma Guedes, ele finalmente conseguiu chamar a atenção do público. A saída: o autor deu um truque e embutiu uma nova novela dentro de outra novela. Terra e Paixão foi uma novela “dois em um”.

Inicialmente, a história seria focada na rivalidade entre Aline (Barbara Reis) e Antônio (Tony Ramos), o vilão interessado nas terras da mocinha. Além disso, o malvado também estava envolvido numa espécie de disputa familiar, com seus filhos disputando a sua sucessão nos negócios. Irene (Gloria Pires), sua ambiciosa esposa, tentava a todo custo emplacar o filho Daniel (Johnny Massaro) e escantear o enteado Caio (Cauã Reymond) para garantir seu quinhão.

Porém, o público não pareceu muito empolgado diante da repetição de Aline querendo “plantar e colher” e de Irene falando em “sucessão, sucessão, sucessor, sucessão…”. O conflito inicial proposto não foi capaz de fisgar a audiência e Walcyr Carrasco foi obrigado a se mexer.

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Mudança

A primeira mudança foi no tom dado ao enredo. Saiu a entonação de dramalhão épico e entrou a conhecida “farofa” de Walcyr. Diálogos nonsense, como Irene e Angelina (Inez Viana) falando sobre cueca de homem na cozinha demonstraram que o autor já recorria ao seu senso de humor infantiloide habitual. Houve ainda outras mudanças de rumo, deixando a novela desfigurada e dando a impressão de que girava em círculos. A história simplesmente não andava.

Mas a coisa mudou quando Agatha (Eliane Giardini), personagem inicialmente morta, voltou à vida e provocou uma grande reviravolta. A partir da ascensão de Agatha como grande vilã, Walcyr Carrasco e Thelma Guedes criaram uma espécie de novela dentro da novela.

De repente, Terra e Paixão não era mais sobre Antônio e Aline brigando por terras. Mas sim sobre o duelo de duas vilãs tentando garantir sua parte sobre a fortuna de Antônio. Nesta fase, Irene e Agatha se revezavam no posto de vilã-mor, enquanto Antônio foi reduzido a mera marionete.

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A novela dentro da novela

Repare como todo o resto da novela ficou em suspensão durante essa fase. Antônio simplesmente esqueceu sua briga com Aline e caiu de quatro por Agatha. A vilã, por sua vez, armou poucas e boas para tirar Irene da jogada. Até que conseguiu armar um flagrante e se livrar da rival, ao mesmo tempo em que passou a envenenar Antônio. Depois disso, foi Irene quem deu a volta, participando do “assassinato coletivo” de Agatha. Irene vence o duelo e tudo volta ao normal.

Com isso, do nada, Antônio volta a odiar Aline e passa a persegui-la incansavelmente. Mas aí já estamos no último mês da novela, e a perseguição ganha um ritmo frenético. Neste momento, o público já tinha se rendido à história e a audiência já respondia positivamente.

E aí está o truque. Percebendo que o público não comprou a história inicial, Carrasco a suspendeu por tempo indeterminado, criando uma história nova neste meio-tempo. Finalizada a “história dois”, o autor retomou a “história um”, garantindo um grand finale. 

Foi uma estratégia engenhosa, sem dúvidas. E que se revelou acertada, já que, na reta final, Terra e Paixão já atingia bons índices de audiência e vinha repercutindo com intensidade. No fim, tudo deu certo e o autor cumpriu sua missão: aumentar os números do horário e entregar a faixa em alta para Renascer. 

André Santana

20/01/2024