Finalmente, saem de cena os figurinos que parecem fantasia de escola de
samba, os cenários de parque temático e as paisagens do deserto. Em Apocalipse, nova novela bíblica da
Record, a ordem é brincar de “futurologia” diante do livro bíblico de mesmo
nome, narrando os acontecimentos previstos no livro sagrado que levarão à
destruição do mundo. A trama assinada por Vivian de Oliveira conta a história
da chegada do anticristo, do arrebatamento e do retorno de Jesus, tudo em tom
de folhetim.
Apocalipse, sem dúvidas, tem uma grande história pra contar.
Afinal, o que não faltam são conjecturas acerca do fim do mundo, tema
recorrente no cotidiano das pessoas (afinal, quantos “fins dos mundos” não são
constantemente anunciados por aí?) e até nas grandes produções
cinematográficas. O cinema-catástrofe de Hollywood já explorou o tema sob as
mais variadas óticas e possibilidades, produzindo grandes blockbusters que
arrastaram multidões para diante das telonas.
Ou seja, o que não faltam são possibilidades narrativas. Como se trata de
uma novela, Vivian de Oliveira conta a história num tom romântico, embora
bastante sombrio. Apocalipse traz
casais apaixonados e romances, mas traz também um “narrador-diabo”, um thriller
policial e até um espírito maligno que cerca os personagens centrais.
Apocalipse teve um primeiro capítulo de impacto, como pede uma
novela com uma temática tão obscura. O tom soturno imperou desde a primeira
sequência, com uma muito bem feita cena de um tsunami, que matou os pais de
Alan (Maurício Pitanga), um dos protagonistas desta primeira fase, passada nos
anos 1980. Outra sequência de impacto foi a descoberta de um assassino em série
no Brasil, injetando uma trama de mistério em meio às demais tragédias. Chamou
a atenção também o fato de o primeiro capítulo ter se passado em vários lugares
do mundo, como Israel, Brasil e EUA.
Com uma direção inspirada de Edson Spinello, Apocalipse finalmente tira a dramaturgia da Record do lugar-comum,
buscando uma identidade própria à trama. Os takes inusitados e as grandes
tomadas chamam a atenção, assim como a direção de atores. Boas performances
foram vistas, com destaque para Manuela do Monte (Débora), Maurício Pitanga,
Marcelo Argenta (Luís) e os veteranos Jussara Freire (Tamar) e Lucinha Lins
(Lia). Entretanto, a trama apela para a cafonice em alguns momentos, com as
falas em off do anticristo, na voz de Sergio Marone, que não convence nem como
narrador e nem como diabo. A fumaça preta que representa o espírito maligno que
envolve Adriano (Felipe Cunha) também pareceu óbvia e despropositada.
No entanto, o que mais pesa contra Apocalipse
é seu tom absurdamente evangelizador. Não que as novelas bíblicas da Record não
tenham este propósito, mas em Os Dez
Mandamentos, A Terra Prometida e O
Rico e Lázaro, por mais que trouxessem mensagens religiosas, ainda se
percebia uma intenção maior de se contar uma história, e não apenas
evangelizar. Já Apocalipse parece
mesmo um tanto mais explícita em seu tom doutrinário, parecendo querer deixar
claro que salvos serão aqueles que estão sob a proteção da igreja (e não
qualquer igreja), e que aqueles que não o estão irão para o inferno. Muitos
enxergaram elementos da igreja católica ao lado daqueles que cercam a história
do anticristo na trama. Complicado.
Uma pena! Vivian de Oliveira mostrou, em seus trabalhos anteriores, que
tem boa mão para transformar passagens bíblicas em folhetim, mesmo que resvale
no didatismo e nos diálogos pobres. Mas, ao menos, mostrou habilidade na construção
de suas tramas e subtramas, o que não parece uma tarefa fácil, tendo em vista
que a Bíblia não é assim tão detalhista em suas narrativas. Sempre coube à
autora preencher brechas e criar histórias paralelas para dar sustentação às
suas tramas, afinal, por mais que a temática seja bíblica, ela escreve uma
novela. E novelas têm suas próprias características, que precisam ser
respeitadas.
Em Apocalipse, a liberdade de
criação de Vivian de Oliveira é muito maior. Assim, seria bem melhor se a
temática fosse tratada, como em Os Dez
Mandamentos, como uma história a ser contada, e não como ferramenta
doutrinária. Seria até uma maneira de atrair um público diferente para as
novelas da Record. Ao manter o tom excessivamente evangelizador, a Record atrai
somente os fieis da igreja que a controla.
André Santana