Cancelamento de trama de Lícia Manzo é uma péssima notícia para quem gosta de novela

A autora Lícia Manzo (reprodução)

Autora das deliciosas A Vida da Gente (2011) e Sete Vidas (2015), Lícia Manzo estava confirmada no horário que a consagrou com O País de Alice, trama escalada para substituir Elas por Elas na faixa das seis. A novelista já estava com o texto adiantado, ao mesmo tempo em que a diretora Natália Grimberg já pensava no elenco da produção.

No entanto, tudo veio abaixo. Nesta quarta-feira, 30, o jornal O Globo noticiou que o novo folhetim havia sido cancelado pela emissora. Na sequência, a Folha de S. Paulo informava que caberia a Mario Teixeira, autor de Mar do Sertão (2022), assinar a substituta de Elas por Elas. Por fim, o portal Notícias da TV afirmou que o cancelamento de O País de Alice se deu porque a direção dos Estúdios Globo - leia-se Amauri Soares - pretende apostar apenas em histórias populares - ou seja, o texto de Lícia foi considerado "pouco popular".

A informação do NTV é preocupante, sobretudo para quem gosta de novela. Afinal, é bastante complexa a tarefa de definir “história popular”. O que é popular? Seria apostar num amontoado de clichês de fácil digestão? Ou em tramas que já foram testadas antes?

Ao que tudo indica, a Globo tem preferido o perigoso caminho da pasteurização. Não por acaso, remakes estão na ordem do dia - depois de Pantanal, vem aí Elas por Elas, Renascer e até Vale Tudo! Quando não são remakes, são tramas pouco inspiradas, como Terra e Paixão. Aliás, a atual novela das nove é a prova de que nem sempre “tramas populares” funcionam. A atual novela de Walcyr Carrasco está longe de ser um fenômeno.

Fernanda Vasconcellos, Rafael Cardoso e Marjorie Estiano em A Vida da Gente
(divulgação/Globo)

Lícia Manzo, conhecida pelo texto inteligente, sensível, muito calcado em diálogos e dramas psicológicos, acabou recebendo o rótulo de “elitista”. Nada mais injusto. Que eu saiba, A Vida da Gente e Sete Vidas passaram longe de serem fracassos. A reprise da primeira, no período da pandemia, também registrou uma audiência boa. Ou seja, o público não gosta só de farofa e sabe reconhecer um bom prato quando vê.

Nada contra Mario Teixeira. Mas é preocupante que a Globo, neste momento, só se preocupe em oferecer remakes e tramas ditas “populares”. A tendência é que as novelas do canal fiquem muito parecidas umas com as outras, sem variedade de temáticas. Basta observar a escalação de elenco de Renascer, cheia de atores que fizeram Pantanal. A Globo quer fazer um “Pantanal 2”, apelando pra alcançar os bons índices do remake de 2022. Pode ser um tiro no pé.

E olha que muita gente reclamou da gestão de Silvio de Abreu como diretor de teledramaturgia, que foi acusado de privilegiar colegas e afastar medalhões. No entanto, não é errado afirmar que Abreu mais acertou que errou, que em sua gestão houve uma maior variedade de temáticas em novelas e que, de quebra, aconteceu uma grande renovação de autores dentro da Globo. Já a gestão de José Luiz Villamarim parece não ter uma assinatura, além de ter clara dificuldades de organização.

Ainda bem que o streaming está se movendo para investir em novelas. É a última esperança para os fãs da boa teledramaturgia. Porque as novelas da Globo estão tomando um caminho perigoso e bem triste…

André Santana

02/09/2023