Na minha primeira análise sobre a CNN Brasil, apontei como qualidade o fato de a emissora buscar a isenção, abrindo espaços tanto para os críticos ao governo, quanto ao próprio governo e seus simpatizantes. Mesmo ressaltando que o quadro O Grande Debate é um desserviço, já que nivela debatedores desnivelados e reforça a polarização de maneira prejudicial, ainda pensava que a emissora tinha mais acertos que erros neste sentido.
Porém, fui alertado pelos comentaristas do blog (que sempre proporcionam debates inteligentes e saudáveis por aqui, obrigado!) de que esta pretensa pluralidade levava a distorções. Concordei, mas ainda confiei na boa vontade do canal de notícias. Só que fui obrigado a mudar de ideia e fazer coro aos meus comentaristas: esta pluralidade alardeada pelo canal, infelizmente, não existe na prática.
Isso ficou bem claro nesta semana, quando a emissora lançou o quadro Liberdade de Expressão. Nele, os jornalistas Sidney Rezende e Alexandre Garcia, separadamente, apresentam análises e pontos de vistas sobre vários assuntos. E eis que Garcia, um declarado pró-governo, tascou uma “pérola” logo em sua estreia, ao afirmar que o uso da cloroquina no tratamento à covid-19 do presidente era uma prova clara da eficácia do medicamento. Esta fala, obviamente, repercutiu bastante, por conta do absurdo da situação.
Não há problema em ser pró-governo. O problema é quando transformam desinformação em “opinião”. Ciência não é opinião. Ciência é ciência. Há trocentos estudos científicos falando da ineficácia da cloroquina no combate à covid-19. E não se pode refutar tais estudos com opiniões. Estudos são feitos com métodos. Opiniões, não. Não é preciso ser um cientista para entender que um efeito numa pessoa não é um método de estudo científico. Uma pessoa não é uma amostragem. Uma pessoa é uma pessoa. Que tomou cloroquina, mas também tomou água, refrigerante e comeu um chocolate. Então, se seguirmos a lógica do Alexandre Garcia, o presidente é a prova viva de que chocolate cura covid.
A repercussão foi tão negativa que, no dia seguinte, a CNN mudou o nome do quadro para Liberdade de Opinião. E apenas reforçou o óbvio: opinião NÃO É ciência. Opinião é alguém gostar de amarelo, enquanto outro alguém gostar de verde. Eficácia de medicamento não deve ser analisada com opinião, e sim com experimentos científicos. Se a grande maioria dos cientistas fala da ineficácia do medicamento, quem é Alexandre Garcia para discordar deles?
A situação é ainda mais triste quando vemos a notícia de que, na CNN americana, uma âncora interrompeu um defensor da cloroquina. Foi Brianna Keilar, que entrevistava Tim Murtaugh, assessor do presidente dos EUA. Assim que ele começou a defender o medicamento, Keilar o cortou, e afirmou: “você está prestando um desserviço real aos americanos”. A âncora citou estudos, Murtaugh quis rebater, e ela foi firme: “nossa conversa acabou. Acho que você está realmente confundindo a situação, o que não ajuda a saúde de ninguém. Obrigada”. Em seguida, a jornalista chamou um médico para falar sobre isso.
Ou seja, a CNN americana está tratando o assunto com a seriedade que ele merece. Já a CNN brasileira dá espaço para disseminação de informações desencontradas, alegando estar ouvindo “todos os lados”. Neste caso, só há dois lados: o lado da mentira e o lado da verdade. Se a CNN Brasil dá à mentira o mesmo peso que dá à verdade, então isso não é jornalismo. Que pena!
André Santana