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Odete Roitman (Debora Bloch) em Vale Tudo (reprodução) |
A nova versão de Vale Tudo tem um mérito: conseguiu fazer a novela das nove da Globo voltar a ser assunto. Para o bem e para o mal, a trama escrita por Manuela Dias alcançou ampla repercussão ao longo de seus meses no ar. Nas redes sociais, a novela foi alvo de muitas críticas. Já o “público do sofá”, de acordo com uma pesquisa Datafolha, aprovou a história. Ou seja, a trama “rendeu”.
Neste contexto, é preciso considerar que boa parte das críticas negativas partiu de fãs da obra original, exibida em 1988 e um marco da teledramaturgia brasileira. De fato, a trama criada por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères é um clássico incontestável e figura fácil entre as melhores novelas já produzidas no Brasil.
Houve uma má vontade com a adaptação, sobretudo, porque muita gente considerou que Vale Tudo não devia ter um remake - ou uma releitura, como preferem alguns. A comparação contaminou o olhar dos críticos, que logo apontaram que Manuela Dias “destruiu” a novela original. Um exagero. Afinal, a novela original não foi destruída, está disponível na íntegra para quem quiser rever no Globoplay e ainda será lembrada como uma obra-prima da teledramaturgia brasileira. Simples assim.
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Mudanças
Vale Tudo começou bastante fiel à história original, com mudanças que serviam apenas para atualizar a história. Entretanto, num determinado momento da trama, a novela se desviou bastante da primeira versão. Com isso, mais reclamações surgiram. Porém, é válido considerar que mudanças como essas são positivas, afinal, se há a oportunidade de recontar a história, por que não oferecer algo de novo? A segunda versão de Renascer (2024) fez isso a partir da metade da história e trouxe elementos interessantes ao enredo.
Manuela Dias acertou a mão ao imprimir novidades nas duas vilãs de Vale Tudo. A nova Maria de Fátima (Bella Campos), por exemplo, era bem mais “bobinha” que a personagem original, sem dúvidas muito mais fria e calculista. Entretanto, uma jovem ambiciosa e imatura, que sonha em ser influencer, parece bastante adequada aos dias de hoje. Funcionou.
Odete Roitman (Debora Bloch) também ganhou uma nova versão acertada. O lado “predadora” que já existia na personagem original ficou ainda mais evidente, já que, atualmente, uma mulher de 60 anos é considerada um “mulherão”, enquanto nos anos 1980 ela era vista como uma “senhorinha”. Também foi impresso uma camada de humanidade que fez bem à personagem, colocando-a com os pés no chão. Odete virou uma vilã reconhecível, muitíssimo bem interpretada por Debora Bloch, no auge de sua maturidade cênica.
Personagens como Leila (Carolina Dieckmann) e Celina (Malu Galli) também foram modificadas para melhor.
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Bolas fora
Porém, outras mudanças não se mostraram muito eficientes. Deu a impressão, inclusive, que a própria autora se esqueceu de algumas histórias, como o diabetes de Solange (Alice Wegmann), que só ressurgia quando o merchan era conveniente. Manuela Dias também apresentou Tiago (Pedro Waddington) como um rapaz que sofria de ansiedade, traço que nunca foi explorado adequadamente.
Aliás, na versão original, Tiago (Fábio Villa Verde) tinha uma história mais interessante, já que tinha embates com Marco Aurélio (Reginaldo Faria) por conta de sua amizade com André (Marcello Novaes). O vilão achava que o filho era gay, o que rendia muitos conflitos. Mas, em 2025, a amizade entre Tiago e André (Breno Ferreira) foi deixada de lado.
A história de Cecília (Maeve Jinkings) e Laís (Lorena Lima) também recebeu mudanças que não beneficiaram as personagens. No original, Cecília (Lala Deheinzelin) morria e Laís (Cristina Prochaska) se tornava vítima de Marco Aurélio (Reginaldo Faria), que não a reconhecia como esposa de sua irmã e tentou lhe tomar a pousada da qual as mulheres eram proprietárias. A ideia era discutir herança entre casais homoafetivos.
Já em 2025, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo já existe, Manuela Dias preferiu criar Sarita (Luara Telles), filha adotiva do casal, e colocar Marco Aurélio (Alexandre Nero) para disputar a guarda da criança com a própria irmã. Uma história absurda desde o início, que ainda se revelou pouco suficiente para sustentar as personagens na novela, já que tudo se resolveu rapidamente e o casal de mulheres simplesmente desapareceu. Em 1988, Laís tinha uma participação maior, já que era amiga e confidente de Celina (Nathalia Timberg). Amizade essa que não teve espaço em 2025.
Mas a maior bola fora, sem dúvidas, foi a falta de habilidade de Manuela Dias de manter Raquel (Taís Araújo) como a grande heroína da história. Em 1988, a personagem (Regina Duarte) estava presente em todas as as situações principais da história e tinha vários embates com Odete (Beatriz Segall). Já em 2025, Raquel perdeu força na reta final, muito focada na família Roitman e no “novo” segredo de Odete: o fato de Leonardo (Guilherme Magon) ter sobrevivido.
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Novelão
Entretanto, mesmo com tantas derrapadas, Vale Tudo serviu no quesito novelão. No geral, a novela teve boas viradas, contou com personagens carismáticos e rendeu momentos interessantes. Mesmo nas situações mais rocambolescas, a novela divertiu, mesmo que seja pelo absurdo.
No entanto, mesmo quem gostou da novela deve ter ficado decepcionado com a reta final, que foi um tanto estranha. Manuela Dias, boa autora de thrillers - vide Justiça (2016 e 2024) e Amor de Mãe (2019) -, surpreendentemente não conseguiu construir um bom suspense nos capítulos finais, focado no assassinato de Odete Roitman.
Com a morte de Odete, a novela simplesmente estacionou, focada numa investigação que mais parecia quadro do Zorra Total. O capítulo final, então, foi anticlimático toda vida. A revelação de que foi Marco Aurélio quem atirou em Odete não teve qualquer impacto. E o fato de Odete ter sobrevivido e fugido ficou muito mal explicada. Teria sido muito melhor ela ter planejado forjar a própria morte, e não ter sido tudo “acidental” como foi mostrado. Que final decepcionante!
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Erros
Manuela Dias não é uma autora ruim, como seus desafetos gostam de pichar. Pelo contrário. Seu ótimo currículo fala por si. Entretanto, talvez ela não seja uma boa adaptadora. A autora trouxe boas mudanças em Vale Tudo, mas não conseguiu sustentá-las, já que ficou amarrada ao texto original em vários momentos.
Por exemplo: não fez sentido Maria de Fátima ter aberto mão de seu filho se o bebê era herdeiro de César (Cauã Reymond), que ficou milionário após a “morte” de Odete. Em 1988, ela fez isso porque César não tinha onde cair morto. Mas, agora, se a ideia era dar o golpe da barriga, a vilã havia conseguido.
Ou seja, Manuela Dias alterou o destino de César, mas não foi capaz de ajustar todas as consequências desta mudança, o que rendeu ações sem sentido. E essa situação é só um exemplo, mas outras coisas parecidas aconteceram ao longo de toda a novela. A autora, então, deve focar mesmo em obras originais.
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Recuperação
Mas, entre erros e acertos, fato é que Vale Tudo cumpriu suas principais missões: conseguiu virar uma grande fofoca, que é o que fez uma novela ser sucesso; e ainda elevou a audiência do horário, entregando a faixa das 21h bem “quente” para a sucessora Três Graças.
A novela teve um desempenho de audiência incrível, já que começou com índices muito abaixo do esperado, mas, aos poucos, foi crescendo até chegar aos 30 pontos que a Globo tanto sonhava. Agora é observar se a boa fase permanecerá com as próximas produções que virão.
André Santana
18/10/2025
2 Comentários
Olá, tudo bem? Já divulguei no meu blog a relação de pontos positivos e negativos da nova versão de Vale Tudo. O último capítulo foi DESASTROSO. Abs, Fabio blogfabiotv.blogspot.com.br
ResponderExcluirUma versão fraca e desnecessária de um clássico. Na verdade, essa versão não foi um remake e sim um reboot. Discordo de vc quando vc fala que o problema foi a autora ter ficado amarrada ao texto original. O problema foi ela ter se afastado da obra original. Ela abriu mão da maior discussão da obra que é a questão da corrupção x honestidade. Ela deixou a crítica social de lado. Remake tem que respeitar a essência da novela original e ela não fez isso. Pelo contrário: tentou o tempo inteiro se afastar, da obra, tanto que não matou a vilã no final. Ela quis ser maior do que a novela de 1988, que é a melhor de todos os tempos, e se ferrou. No fim, a Manuela Dias mostrou que é uma autora limitada e que não evoluiu em nada após 2020. Aliás, Justiça 2 já foi um equívoco e agora mais um erro no currículo.
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