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Solange (Alice Wegmann) em Vale Tudo (reprodução) |
A adaptação de Manuela Dias de Vale Tudo ainda divide opiniões. Na web, são muitas as críticas quanto às mudanças realizadas pela autora no clássico de 1988, criado por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Uma reação que, convenhamos, já era esperada. Afinal, mexer num clássico é cutucar um vespeiro. Faz parte do jogo.
No geral, a trama segue os passos da original, com o interessante conflito envolvendo Raquel (Taís Araújo) e Maria de Fátima (Bella Campos). A maior mudança é que a trama de 1988 trazia uma crítica social forte, que tinha tudo a ver com a época em que foi exibida. Essa discussão desapareceu do remake, mas isso tem mais a ver com a Globo de hoje do que uma decisão da autora. Afinal, é fato que a emissora vem evitando polêmicas. Pena, mas é a realidade.
Porém, houve a decisão de substituir a crítica social por discussões de pautas contemporâneas. Isso poderia funcionar, se as novas temáticas fossem aprofundadas. Mas isso não acontece em Vale Tudo. Manuela Dias parece apostar no “tema da semana”, jogando tudo de forma apressada, apenas para constar. Parece até Amor à Vida (2013), novela de Walcyr Carrasco tomada por merchans sociais que não deram certo.
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Campanhas flopadas
Novela que ficou marcada pelo vilão Félix (Mateus Solano), convertido a mocinho ao longo dos capítulos, Amor à Vida prometeu muitos merchans sociais. Walcyr Carrasco tentou discutir de tudo na novela, mas tudo ficou pelo caminho.
Filha dos mocinhos Paloma (Paolla Oliveira) e Bruno (Malvino Salvador), Paulinha (Klara Castanho), tinha lúpus, mas isso foi esquecido durante a novela. Já Nicole (Marina Ruy Barbosa) tinha câncer, mas a história da personagem foi abreviada depois que a atriz optou por não raspar a cabeça. Já Perséfone (Fabiana Karla) discutiria a gordofobia, mas sua trama ganhou contornos cômicos de gosto duvidoso.
Dona de um bar, Vivian (Angela Dippe) era alcoolista, mas seu drama se resolveu em dois capítulos. Já Linda (Bruna Linzmeyer) era autista, mas a temática foi apresentada sem qualquer responsabilidade. Até a briga entre judeus e palestinos foi inserida em Amor à Vida por meio do romance entre Rebeca (Paula Braun) e Pérsio (Mouhamed Harfouch), numa história sem pé nem cabeça.
Adoção, funk, religião, virgindade, mania de limpeza e agressão doméstica foram outras temáticas abordadas em Amor à Vida, todas de forma totalmente apressada e sem qualquer compromisso em, de fato, provocar discussão.
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A história se repete
Vale Tudo, infelizmente, reza da mesma cartilha. Antes mesmo da estreia, já haviam sido divulgadas mudanças na trama para inserir novos temas na narrativa. Solange (Alice Wegmann), por exemplo, agora é diabética, o que poderia servir para falar sobre sua condição. Mas, na prática, tal traço pouco acrescenta à história.
Também foi dito que Tiago (Pedro Waddington) sofreria com ansiedade, sobretudo após perder seu melhor amigo durante a pandemia de Covid-19. Pois isso já foi esquecido. O vício de Vasco (Thiago Martins) em bets também prometia criar uma discussão, mas o tema mal apareceu na história. A assexualidade de Poliana (Matheus Nachtergaele) também não foi aprofundada até o momento.
Isso sem falar em temas inseridos de última hora que não acrescentaram nada ao enredo. O caso mais notório é o dos bebês reborn, que, claramente, surgiu como adendo em uma trama paralela. Tudo sem qualquer propósito.
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Mão pesada
Manuela Dias não é uma autora ruim, muito pelo contrário. No entanto, em Vale Tudo, está claro que falta uma orientação de um supervisor mais experiente. Em Amor de Mãe (2019), a autora contou com o auxílio de Ricardo Linhares, o que resultou num folhetim mais bem-resolvido.
Experiente em séries e minisséries, a autora parece querer imprimir ritmo semelhante à sua novela, sem considerar as diferenças entre os formatos. Isso acaba enfraquecendo Vale Tudo, que, no geral, conta uma boa história e traz personagens cativantes.
Não é porque se trata de um remake que a figura de um supervisor se torna dispensável. Mesmo contando com a base sólida do roteiro original, é preciso mais cuidado na construção das novas narrativas, de modo conectá-las de uma maneira mais harmônica ao texto clássico.
André Santana
03/08/2025
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