Ticker

6/recent/ticker-posts

Publicidade

Vale Tudo e a dificuldade em se discutir ecologia em novelas

Afonso (Humberto Carrão) em Vale Tudo
Afonso (Humberto Carrão) em Vale Tudo (divulgação)

Em sua releitura de Vale Tudo, Manuela Dias optou por reduzir a crítica política e inserir discussões sobre ecologia. Foi a maneira que a autora encontrou para trazer a novela para a contemporaneidade sem levantar muita polêmica, já que a polarização atual poderia prejudicar o desempenho da trama das nove.

Se foi uma boa opção ou não, só o tempo vai dizer. Porém, até aqui, Vale Tudo vem mostrando certa dificuldade em levar a discussão sobre temas sustentáveis a sério. Na verdade, até aqui, a história serve mais para aborrecer o público do que levantar uma bandeira - o que pode resultar num efeito contrário ao que se espera de uma campanha social numa novela das 21h.

O grande “porta-voz” da pauta em Vale Tudo é Afonso (Humberto Carrão). O herdeiro de Odete Roitman (Debora Bloch) defende atitudes mais sustentáveis e menos poluentes na TCA, empresa de aviação da família. Porém, o personagem foi construído de uma maneira tão enfadonha que seu discurso perde o efeito. Pesa contra a campanha, inclusive.

Continua depois da publicidade


Encostado

Em 1988, Afonso (Cassio Gabus Mendes) era meio boboca, já que caiu fácil na lábia de Maria de Fátima (Gloria Pires). No entanto, o rapaz levava a empresa da família a sério e batia ponto todos os dias no escritório da TCA. Sempre se colocou como uma peça importante na TCA.

Já em 2025, Afonso não pisa o pé na empresa da família. Triatleta, ele passa o dia treinando, não dá importância aos negócios e ainda se mostra inconveniente ao não entender que o resto do mundo precisa trabalhar - ao contrário dele. Ele não se conforma quando Solange (Alice Wegmann) precisa dispensá-lo para se dedicar à carreira.

Ecologicamente correto, Afonso já apareceu até tomando banho contando os segundos embaixo do chuveiro, numa sequência, no mínimo, risível. Não por acaso, o personagem, que deveria ser um dos mocinhos da trama, vem sendo rejeitado pelo público. A audiência, aliás, dá razão para os discursos de Odete Roitman, que só quer colocar o filho para trabalhar. Em resumo: Afonso é um chato encostado, que usufrui do dinheiro da mãe ao mesmo tempo em que a critica.

Continua depois da publicidade


Discussão vazia

Ao transformar Afonso num chato de galochas, a autora Manuela Dias acaba por esvaziar o discurso ecológico do personagem. O público rejeita Afonso e, consequentemente, não dá importância ao que ele diz. Assim, a bem-intencionada discussão se perde, o que é, no mínimo, um desperdício.

Curiosamente, não é a primeira vez que Manuela Dias erra na construção de personagens ecologicamente corretos. Em Amor de Mãe (2019), a autora levantou a mesma discussão através de Davi (Vladimir Brichta), um militante da causa. Porém, na época, Davi também foi considerado chato e seu discurso não empolgou ninguém.

O erro se repete em Vale Tudo. Afonso ganhou tintas de riquinho mimado e pouco produtivo, o que faz com que o público não compre seu discurso. A novela poderia servir como alerta ao mostrar que a aviação contribui para a poluição do ar, mas não consegue engajar a audiência justamente porque Afonso é um personagem sem qualquer carisma.

Continua depois da publicidade


Imperfeito

Talvez o grande problema aqui seja o fato de Vale Tudo querer apresentar Afonso como um “cara perfeito”, mas acaba perdendo a mão. Outras novelas que trataram do tema também falharam miseravelmente, já que colocam personagens ecológicos como “vomitadores de regras”. Há uma espécie de pedestal que os separa do “resto da humanidade”, e, por isso, o público não se identifica.

Uma saída para evitar cair na armadilha seria os novelistas se inspirarem na série Aruanas (2019), por exemplo. A trama gira em torno de um grupo de ecologistas, mas Natalie (Débora Falabella), Verônica (Taís Araújo), Luiza (Leandra Leal) e Clara (Thainá Duarte) passam longe de serem perfeitas.

Pelo contrário. Todas eram mostradas como humanas, com muitos erros nas costas. Verônica, por exemplo, tinha um caso com o marido de Natalie. Já Luiza brigava com o ex-marido pela guarda do filho, mas, ao mesmo tempo, costumava deixar a maternidade em segundo plano. Ou seja, todas lutavam pela ecologia, mas todas tinham problemas e falhas de caráter. Era mais fácil acreditar que elas existiam.

Novelas podem - e devem - levantar a pauta da ecologia para fazer o público refletir. No entanto, é preciso evitar transformar os personagens engajados em “ecochatos”. O assunto é sério e merecia ser tratado com mais cuidado em folhetins.

André Santana

10/05/2025

Postar um comentário

1 Comentários

  1. Olá, tudo bem? Eu sinto que o público está ao lado da Odete Roitman que foi pintada como "vilã das vilãs". Rsrs... O remake de Renascer abordou corretamente o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br

    ResponderExcluir

Publicidade

(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});