No dia 05 de junho de 2000, a bossa nova e a
imagem de um Leblon ensolarado já anunciavam: Manoel Carlos estava de volta. E Laços de Família estreava no horário
nobre da Globo com um capítulo deliciosamente simples: personagens se
apresentando enquanto faziam coisas prosaicas do cotidiano, como ir às compras
ou à praia. A principal ação deste início foi o acidente de trânsito (cotidiano
de novo...) que uniu Helena (Vera Fischer) e Edu (Reynaldo Gianecchinni,
estreando na telinha). Mas o que parecia simples e corriqueiro se revelou uma
das histórias mais encantadoras (e polêmicas) de Maneco.
Na opinião deste pequeno blogueiro, Laços de Família é a melhor novela do autor Manoel Carlos. Opinião,
aliás, compartilhada pelo próprio Maneco, que já disse em entrevista nutrir um
carinho especial pela obra. E este carinho tem razão de ser: Laços de Família é um drama cotidiano em
sua melhor forma, com personagens humanos, interessantes e carismáticos, uma
história redonda e muito bem arquitetada, e uma protagonista tridimensional que
reinou absoluta no centro da história, com tramas paralelas igualmente
interessantes que orbitavam em torno dela.
Vera Fischer nunca foi boa atriz, mas sua Helena, sem
dúvidas, foi o papel de sua vida. Ela convence como uma mulher moderna e
contemporânea, dona de sua própria vida, e que é mãe, avó, mas também mulher.
Linda e com muito sex appeal, a personagem é capaz de despertar paixões tanto
em garotões recém-formados quanto em homens vividos e maduros. A Helena de Laços de Família pode não ser tão
controversa como a Helena de Por Amor
(alerta: ranço!), que foi capaz de trocar o próprio filho e o próprio neto na
maternidade, mas ela também foi dona de conflitos tão intensos quanto, tendo
seus segredos que, aos poucos, se vê forçada a revelar.
Helena desperta a paixão do jovem Edu, com quem vive um
romance tórrido. Romance este que desperta a ira da tia do rapaz, a socialite
Alma Flora Pirajá de Albuquerque (Marieta Severo), personagem que carrega o DNA
do autor Manoel Carlos, da postura ao nome pomposo. Com ares de vilã, Alma, na
verdade, é um ser humano cheio de contrastes. Ela é capaz de armar para separar
o sobrinho da namorada “velha”, como também é capaz de proferir frases
cortantes. Mas também se compadece da dor dos seus, e até se mostra capaz de
criar os frutos da traição do marido Danilo (Alexandre Borges).
Helena também desperta a paixão do livreiro Miguel (Tony
Ramos), um viúvo culto e amante das artes, outro personagem com o DNA do autor.
Miguel tem dois filhos, a espevitada e maravilhosa Ciça (Julia Feldens) e o
batalhador Paulo (Flavio Silvino). Ainda na órbita de Helena estão seus
vizinhos, como Pascoal (Leonardo Villar) e Ema (Walderez de Barros), que não
sabem que a filha Capitu (Giovanna Antonelli) trabalha como garota de programa;
está também Pedro (José Mayer), seu primo, homem rústico que administra o haras
de Alma; a amiga Yvete (Soraya Ravenle); e sua família, formada pelo pai
Aléssio (Fernando Torres), a madrasta Ingrid (Lilia Cabral) e a irmã Iris
(Deborah Secco); e, claro, seus filhos, Camila (Carolina Dieckmann) e Fred
(Luigi Baricelli).
Helena vive dois grandes conflitos em Laços de Família. No início, ela se vê abrindo mão de seu
relacionamento com Edu quando percebe que ele e sua filha Camila estão
apaixonados. Logo em seguida, ela se deixa envolver por Miguel, com quem vive
um relacionamento maduro, mas acabará abrindo mão deste amor, também por causa
da filha. Camila está com leucemia, e Helena planeja engravidar do pai dela,
seu primo Pedro, para que o bebê possa ser o doador da medula que salvará a
vida da filha. A doença traz à tona a verdadeira origem de Camila, que nunca
soube que Pedro era seu verdadeiro pai. Nem Pedro sabia da verdade, e vê na
história a chance de retomar o romance adolescente que viveu com a prima, e do
qual nunca se esqueceu.
Laços de Família contou grandes histórias. Além do
conflito central de Helena, também chamou atenção e despertou polêmicas a
história de Capitu, jovem que vivia como prostituta de luxo para sustentar o
filho. A personagem foi acusada de “glamourizar” a profissão (que bobagem!),
mas despertou a torcida do público, que queria que ela se livrasse de seus
inúmeros problemas, como a perseguição do cliente obsessivo Orlando (Henri
Pagnocelli), as armações da “amiga” Simone (Vanessa Mesquita) e a chantagem de
Maurinho (Luiz Nicolau), pai de seu filho. O público torcia também para que ela
fosse feliz ao lado de Fred, com quem viveu um romance na adolescência, mas
este amor também carregava um problema: Clara (Regiane Alves), a esposa do
moço. É Clara quem revela a todos que Capitu é garota de programa, numa cena
antológica. Aliás, cenas antológicas não faltam à Laços de Família: além desta sequência, são memoráveis também a
cena da morte de Aléssio; do assassinato de Ingrid, vítima de violência urbana;
e quando Camila raspa os cabelos ao som de Love By Grace, que iniciou o drama
de sua doença.
Laços de Família é Manoel Carlos em plena forma. O
autor segue com seu estilo intimista e tranquilo, com acontecimentos que vão se
desenrolando aos poucos e arrebatando o público. Estilo este que manteve em
suas obras mais recentes, como Em Família,
mas que foram criticadas por isso. Mas há duas diferenças primordiais entre as
obras: a direção de Ricardo Waddington consegue fazer das cenas cotidianas e
banais de Laços de Família grandes
acontecimentos; e o texto de Maneco que, embora “lento”, leva a história para
algum lugar, o que não aconteceu em sua última novela. A primeira semana de Laços é praticamente toda focada em
festas de Natal em todos os núcleos da obra, mas elas não são desnecessárias.
Foi por meio destas festas que o público foi apresentado eficientemente a todos
os personagens, e foi ali que começou a ser construído o romance entre Helena e
Edu, que daria as cartas nos próximos capítulos do enredo.
Laços de Família é tão arrebatadora que qualquer
reprise é sempre bem-vinda. A trama foi reapresentada em 2005, no Vale a Pena Ver de Novo, e também no
canal Viva, em 2016, tornando-se a primeira novela dos anos 2000 a dar as caras no canal
pago. Aos 20 anos, Laços ganhará, agora, um novo repeteco, desta vez no
streaming. O Globoplay disponibilizará a novela na íntegra em agosto. Mais uma
oportunidade para rever a trama. E rever Laços
de Família nos faz sentir uma falta danada deste estilo de trama no horário
nobre, que é forte, mas, ao mesmo tempo, cotidiana, sem grandes viradas
rocambolescas.
Maneco está aposentado. Mas deixou discípulos. Uma delas é
Manuela Dias, que é adepta das situações cotidianas, mas o faz com uma forte
pegada policial, que são os ingredientes de Amor
de Mãe, e que a diferencia do veterano. Lícia Manzo é outra que bebe de sua
fonte, já que também aposta em personagens humanizados, mas dá mais espaço aos
conflitos psicológicos, como foi visto em suas tramas A Vida da Gente e Sete Vidas.
Lícia estreará no horário nobre com Um
Lugar ao Sol, que deve estrear quando a pandemia deixar. Mas Maneco é
sempre Maneco, e seu estilo único de crônica cotidiana faz falta. Felizmente, o
Globoplay nos permitirá revisitá-lo.
André Santana