 |
"Vote em mim!" |
Segundo Sol terminou ontem, 09, com o rótulo de
pior novela assinada por João Emanuel Carneiro. Talvez em busca de uma novela
de mais fácil digestão, depois da complexa A Regra do Jogo, João acabou optando
pelo caminho mais simples na condução de uma história que teve um ponto de
partida muito simpático, mas desenvolvimento sofrido. Isso porque o autor tinha
em mãos um personagem muito interessante, o cantor Beto Falcão (Emílio Dantas),
mas preferiu dar o protagonismo a Luzia (Giovanna Antonelli), uma das piores
mocinhas que já criou. Deu no que deu.
Da maneira como Segundo
Sol foi conduzida, seu primeiro capítulo se revelou inútil. Afinal, o fato
de Beto Falcão ser um cantor famoso, mas esquecido, que volta à fama após ser
dado como morto pouco influiu no desenvolvimento da história. Beto poderia ser
qualquer coisa. Até porque, depois de decidir viver dos lucros de sua falsa
morte, o personagem simplesmente perdeu importância. Mesmo fingindo sua morte,
ele circulava livremente por aí, ao mesmo tempo em que enganava até o próprio
filho, fingindo ser seu padrasto. Surreal. Além disso, com o pouco espaço de Beto, Segundo Sol explorou pouco um dos seus trunfos iniciais: a trilha sonora recheada de clássicos do axé. Isso deu uma identidade interessante à novela, que se perdeu logo no início.
Segundo Sol teria sido bem mais interessante se
o autor tivesse levado Beto Falcão a sério. A história deveria ter focado,
inicialmente, em seu conflito entre seguir mantendo a farsa e se entregar de
vez. Afinal, Beto era um bom homem, mas se viu tendo que enganar todo mundo. Ao
mesmo tempo, deveria haver um esforço real em se esconder. Situações de quase
descoberta poderiam ter sido exploradas. Mais adiante, Segundo Sol poderia focar na descoberta da farsa e suas
consequências. E, por fim, seria concluída com a redenção, a retomada e a
reinvenção de Beto Falcão como artista, voltando a fazer sucesso.
Mas Beto foi coadjuvante na história do dramalhão familiar
de Luzia, que viu sua família ser destruída pelas vilãs Karola (Deborah Secco)
e Laureta (Adriana Esteves). Uma história poderosa, sim, mas desenvolvida
pessimamente. Luzia, além de escolher os piores jeitos de se reaproximar dos
filhos, ainda caía em todas as armadilhas das vilãs. De uma ingenuidade
exagerada, a mocinha acabou irritando o público, em vez de conquistar torcida. Além
disso, sua história andava em círculos. Luzia passou a novela toda fugindo da
polícia.
Além disso, personagens promissores perderam a mão. Rosa
(Letícia Colin) começou dona da novela, graças a sua personalidade marcante e
sua dubiedade bem construída. Mas, ao optar por ceder às investidas de Laureta,
a personagem perdeu força. Passou boa parte da história pelos cantos, sem o
viço inicial. Cresceu novamente apenas quando começou seu processo de redenção.
Mas seu quase “sumiço” ao longo da trama foi outro desperdício.
Roberval (Fabrício Boliveira) foi outro personagem que
começou bem, mas se perdeu. O clã Athayde era o núcleo que mais tinha do DNA de
João Emanuel Carneiro: uma família disfuncional, com diversas personalidades
dúbias, e que vivem quase como num universo paralelo. Neste contexto, o drama
de Roberval era poderoso: filho do chefe do clã com a empregada, ele viu sendo
renegado pela família por ser negro, enquanto o irmão branco foi tratado como
legítimo. A rivalidade entre Roberval e Edgar (Caco Ciocler) era interessante,
e a sede de vingança de Roberval prometia. No entanto, em algum momento, a
dubiedade do personagem foi se tornando frágil. Por fim, a resolução dos
conflitos da família foi forçada e preguiçosa, com personalidades mudando ao
sabor do vento.
Além disso, situações forçadas da reta final ficaram com
cara de resoluções de última hora pouco pensadas. A falsa morte de Remy
(Vladimir Brichta) evidenciou furos. A origem de Laureta e sua então vingança
contra a família de Beto pareceu inconsistente. Bem como a origem de Karola,
que se revelou filha de Laureta com Severo Athayde (Odilon Wagner). Laureta e
Karola sempre foram parceiras, mas o “amor maternal” de Laureta no desfecho
ficou forçado. Que amor é esse que fez a própria mãe prostituir a filha, ao
mesmo tempo em que a incentivava a viver um romance com o próprio tio? Entrecho
estranho, que parece ter sido inventado de última hora.
Mas nem tudo foi ruim. Segundo
Sol, apesar dos entrechos preguiçosos, tinha diálogos inspirados e ótimas
atuações. Se Letícia Colin foi a dona do começo da novela, Deborah Secco,
Adriana Esteves e Vladimir Brichta a pegaram para si na fase final. Todos saem
maiores da novela. Além disso, a trama revelou ótimos nomes, como Kelzy Ecard
(Nice) e Claudia di Moura (Zefa). E teve um último capítulo que, apesar dos
exageros e clichês, divertiu. Laureta, mais uma boa vilã para a galeria de João
Emanuel Carneiro, provocou o atual contexto nacional, ao sair da cadeia direto para
a política. Adriana Esteves construiu mais um tipo excelente.
No saldo final, Segundo
Sol se mostrou como uma novela frágil, de construção equivocada. Teve bons
momentos, mas finaliza como um passo em falso de João Emanuel Carneiro. Não foi
um dramalhão familiar eficiente como Da
Cor do Pecado, nem crítica como Cobras
& Lagartos, e nem inventiva e provocativa, como A Favorita e A Regra do Jogo.
E, claro, não foi a novela que “uniu o Brasil” como Avenida Brasil. Apenas passou.
André Santana